Do que o mundo precisa?
Recentemente ouvia uma música cuja letra dizia: "E o mundo precisa de uma celebração, de uma palavra de amor pra sarar o coração".
Antes de tecer uma crítica, deixe me adiantar que reconheço o que há de correto por trás desta frase na letra da música. De fato há uma percepção, acertada, de que há algo errado no coração humano que carece de uma cura. A expressão cura das almas é mais que centenária. Ela, contudo, tinha uma conotação bem diferente na que tem hoje. Antes ela apontava para o trabalho pastoral, aquele que era preocupado em "curar", ou seja, cuidar das almas que estavam sob o pastor. A presença e necessidade da figura do pastor não se dá porque a igreja assim o diz ou quer; mas porque precisamos. Carecemos de cuidado, e aprouve a Deus fornecer pastores para o seu povo, fossem em forma de reis, profetas e sacerdotes, ou apóstolos no passado, como pastores no presente tempo.
Reconheço também que a tristeza não é marca de cristianismo. Pelo contrário, a Escritura diz que "a alegria do Senhor é a nossa força" (Nm 8.10). O salmista canta alegremente a felicidade do convite para ir à casa de Deus (Sl 122.1; Cf. tb.: Gl 5.22). Muito poderia ser dito sobre isso, mas meu objetivo é outro. Meu objetivo é falar sobre a relação do que está errado com o coração humano, sua real necessidade e a proposta moderna do evangelicalismo para "sarar" o problema percebido.
A doença do coração é a idolatria, a rebeldia presente que leva o coração para longe de Deus, em direção daquilo que o desagrada, em direção ao Egito (Ez 14.3-5; At 7.39). Para curar a alma deste mal, a letra da música propõe que a necessidade do mundo seja de uma celebração, de uma festa. Permitam-me, humildemente, discordar. O que mais o universo evangélico tem proporcionado para o mundo é justamente isso: celebração, festas e mais festas. Os cultos se tornaram shows, sendo chamados e reconhecidos assim ou não. As mensagens por vezes se confundem com a moda dos "Stand Up Comedy", só que sem graça (quem tem ouvidos para ouvir, ouça). Nos cultos não se fala mais de pecados. Embora haja em muitas igrejas um momento para o louvor, não há, contudo, uma para confissão de pecados. O que temos em abundância é "adoração", é celebração... louvorzão...
Do que o mundo realmente precisa?
Levanto aqui a tese de que o que o mundo precisa é de uma confrontação, e esta é a palavra de amor verdadeira, e esta sim traz benefícios que curam o coração.
As pessoas pós-queda são, agora, "naturalmente" avessas à confrontação. Por isso a confissão de pecados foi deixada de lado. Em alguma medida, a consciência do erro, da inadequação diante de um Deus justo, puro e santo, foi substituída por uma espécie de inadequação social. Não estamos fundamental e espiritualmente errados, estamos só... fazendo errado. Não somos maus, somos... desajeitados. Não somos mais pecadores, somos só pobres, e Deus rapidamente dará um jeito nisso.
Quando lemos os evangelhos nos deparamos com um Jesus muito diferente daquele que vem sendo pregado, e por consequência cantado mundo evangélico à fora. Nos Evangelhos encontramos Jesus repreendendo severamente os pecados do povo e da liderança. Com destemor lhes aponta do dedo, não ameniza o discurso e confronta, em amor com o seu amor revelado em sua pessoa e obra (Mt 3.7; 23.3, 7; Lc 3.7; 13.4; etc...)
O fato terrível do qual não podemos fugir é este: somos pecadores desde o ventre materno (Sl 51.5). Somos por natureza filhos da ira de Deus (), e nossa maldade só não é maior porque Deus, em graça, nos refreia de sermos tão maus como poderíamos. O mundo precisa ser confrontado com sua maldade.
O outro fato, este amorável, do qual igualmente não podemos fugir é: Deus amou este mundo caído e perdido. De que maneira? Desta maneira: Enviando seu filho ao mundo (Jo 3.16). A maldade do mundo foi contrastada com o imenso amor de Deus revelado em Cristo Jesus. Deus revelou redenção ao que crer em Jesus conforme ele o é revelado a nós pelo registro inspirado de sua vida e obra, encontrando nos 4 evangelhos que compõe parte do Novo Testamento. O mundo precisa ser confrontado com o amor de Deus.
O que o acúmulo de festas produz?:
A nuvem de festas que invade o arraial evangélico só tem contribuído para o embotamento das papilas gustativas espirituais do povo de Deus. Deixe-me explicar: O povo de Deus está adquirindo um gosto através do tempo. Está se deliciando nas celebrações, mas não mais no Celebrado. Acreditam agora que Deus, movido talvez por sua imensa bondade e fraqueza de juízo, aceitará qualquer coisa feita por seus bem intencionados filhos, que revelam grande descuido e ignorância de sua vontade revelada (Notem o exemplo do passado: 2 Sm 6.6-8).
O paladar espiritual do povo de Deus engrossou, tornou-se insensível. Os que agora se dizem povo de Deus não mais tem o seu prazer na lei do Senhor (Sl 1.2), antes, apavoram-se se alguém começar "o discurso" sobre a Escritura Sagrada e sua suficiência. Muito diferentes do profeta Ezequiel no passado, a Palavra de Deus deixou de parecer doce ao paladar para muitos evangélicos de nosso tempo (Ez.2.8-3.3)
Este fenômeno não é um privilégio da igreja moderna, infelizmente. Ele foi experimentado pelo povo de Deus no passado, mas esta atitude, a de amarem mais as festas de Deus do que a Deus mesmo, foi duramente "confrontado" pelos profetas. Exemplos vívidos podem ser encontrados em Isaías (Is 1.10-17; 29.13).
O evangelismo moderno fala muito mais do que Deus pode fazer para o seu bem-estar material do que das grandezas de Deus. Quase nada se houve do que Deus fez em Cristo para que a presença santa de Deus não nos consuma, e agora, tenhamos verdadeiro bem-estar com Deus (Rm 5.1).
O mundo vê os evangélicos festejando, irrompendo em shows e coisas que tais. As ruas são tomadas pela multidão dos festejantes cristãos. Mas qual é o resultado que estamos colhendo? O que nossa nação logrou de benefícios?
Como ser parte da solução?
Acredito firmemente que a única forma de trazer o consolo que o mundo necessita, de ser sal e luz, de fazer a diferença, de ser uma igreja relevante, de ser um instrumento de cura para as almas feridas de nosso tempo, seja a pregação fiel, profunda e piedosa das Escrituras Sagradas.
Isto significa que não mexeremos na mensagem para que se acomodo ao paladar da platéia assistente, mas que será conforme o querer de Deus (Ez 2.4). O que o mundo precisa é de pastores que, para curar o povo que está sob seus cuidados, pregue como um arauto, e diga "Assim diz o Senhor".
Para isso, precisamos de homens que se esmerem em conhecer os textos sagrados sobre os quais vão pregar. Que apresentem sermões exegeticamente corretos, doutrinariamente sadios, claro estruturalmente. Que sejam expositores do texto e não de suas ideias.
Mas que ao fim tenham a coragem de confrontar o povo que está diante de si. Que tenha a ousadia de dizer o que precisa ser dito, sem ser rude, mas também sem ser "soft". Se você quer ser parte da solução, vai precisar:
1) Ser piedoso: Não adiante saber, é preciso saber como convém (1 Co 8.2). Sem amor e doçura nos lábios, a verdade mais bela é obliterada por nossa falta de jeito. Precisamos ministrar com amor do coração e nos lábios;
2) Ser estudioso: Você não pode falar de si, terá que falar da Bíblia. Mas como fazê-lo se não a conhece? E como a conhecer sem dispender horas e muito esforço para compreender o texto. Não gostar de estudar deixa de ser uma opção para quem quer ser parte da solução, mas uma escolha para quem quer ser parte do problema...
3) Ser corajoso: Você descobrirá verdades no texto sagrado que suscitará em seu coração temor. Este temor de homens não é santo. O temor do Senhor é o princípio do saber, qualquer outro é loucura. Para ser um instrumento nas mãos do redentor, você precisará de coragem. Não é de se estranhar que, conhecendo Deus que somos propensos a vacilar, encorajava seus servos dando-lhes a certeza de sua presença (Ez. 2.6; Ex 4.10-17), e para nós que vivemos outros tempos, nos encorajou através de seu filho da mesma forma (Mt 6.50; 28.20; Jo 16.33).
4) Ser submisso: Você terá também que falar tudo o que Deus mandou, e somente o que Deus mandou. A mensagem não é determinada por ninguém mais além do Senhor. Ser submisso significará ser fiel, fidedigno, veraz. O que pretendo dizer com este ponto está perfeitamente resumido no texto de Ezequiel, que diz "Eles, quer ouçam quer deixem de ouvir, porque são casa rebelde, hão de saber que esteve no meio deles um profeta" (Ez. 2.5).
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